quinta-feira, janeiro 18, 2007

ESTUDO SOBRE A OBRA DE KANT: IDÉIA DE UMA HISTÓRIA UNIVERSAL DE UM PONTO DE VISTA COSMOPOLITA.

Cosmopolitismo em Kant:
Kant obteve muitas influências externas do empirismo inglês de David Hume, como também, da física de Newton e a concepção moral de Rousseau; digamos que as concepções filosóficas e políticas retratam uma certa atração por estes pensadores.
Em Kant há a preocupação de encontrar, na história e na sociedade as leis naturais, que não são reveladas e explicadas por mediação teológica.
A sociedade segundo Kant, era como um Universo desordenado, onde os corpos que a integram (unidades políticas que compõem o conjunto geral das nações) viviam em total desarmonia.
Sendo que cada “unidade política” possui uma visão exclusivista da sua função no conjunto geral, muitas vezes hostil às demais, a guerra, e não a paz, costuma ser o veículo mais comum das suas comunicações.
E a “Filosofia Política” possui a finalidade de corrigir a desordem terrena das nações, adequando-as e harmonizando-as como ocorre com o funcionamento perfeito dos sistemas e leis desenvolvidos por sujeitos como Newton e Kepler.
Na obra estudada (Idéia de uma história universal sob o ponto de vista cosmopolita), Kant alega que os acontecimentos históricos, sejam nos aspectos positivos ou negativos, devem ser vistos do ponto de vista cosmopolita, no qual há benefício a todos.
Conforme Kant, há um conflito permanente entre as disposições humanas e aquelas impostas pela natureza; de modo que, as “oposições” entre indivíduos e Estados, favorecem de maneira positiva nossas capacidades de superação dos obstáculos e adversidades, proporcionando nosso auto-aperfeiçoamento.
Já que era possível o desvendamento dos mistérios do funcionamento cósmico através das leis da física, Kant acreditava que o mesmo ocorreria com a história; assim, a relação astronomia e cosmos, deveriam ser análoga à relação história e sociedade.
Apesar da estupidez humana com suas guerras e conflitos, para Kant, era possível constituir por trás da irracionalidade humana, a existência de um “curso da natureza”.
Kant concebia a possibilidade de que no futuro os homens desvendariam leis misteriosas, e permaneceriam conscientes dos propósitos que os moviam, seja para o bem ou para o mal.
Conforme Kant, observando a história (cultura Gregas e Romanas) era possível verificar “um curso regular de aperfeiçoamento da constituição política em nossa parte do mundo”.
No caso da autonomia, Kant a considerava, uma manifestação da vontade humana de não dependência. Afinal, a sociedade é composta de autonomias individuais que devem funcionar ordenadas pelo “imperativo categórico”.
E análogo ao sistema newtoniano, onde cada “corpo celeste” possuía gravitação, também, “cada individuo”, conforme Kant, deve ser dotado de autonomia. Em Newton os planetas são forçados pelas leis naturais a manter seus movimentos, o individuo autônomo kantiano é impelido ao imperativo categórico, de modo que, a ação do sujeito “possa elevar-se a uma lei de observância universal”.
Assim, Kant demonstra a coexistência de indivíduos e Estados em consonância com lei geral (racional) comum a todos. Ora, como seria um desastre querer mudar o movimento dos corpos celestes, o impedimento do individuo em atender seu próprio principio moral também seria desastroso. E como as nações compõem-se de indivíduos, o mesmo se aplica a elas.
De um modo geral, em Kant, trata-se de implantar na Terra, onde existe a desordem e o caos, a ordem natural encontrada no Universo. Do ponto de vista “federativo” e da constituição universal, é necessária apenas a transposição para o reino humano daquilo que se admirava no mundo celestial. E tal transposição deveria ser feita gradativamente, sem revolução, saltos bruscos, mas apelando apenas para a razão.

Síntese da Obra:
Esse artigo que foi publicado em novembro de 1784, é constituído por uma introdução (É possível encontrar para espécie humana um fio condutor de uma história que se realiza segundo um plano determinado da natureza?) seguida de nove proposições.
Se forem explicadas todas as disposições naturais das criaturas um dia de maneira exaustiva (I), no homem as razões naturais (que visam o uso da razão) devem somente desenvolver-se na espécie (II), já que do homem se extraí tudo de si mesmo e de sua própria razão (III), para isso, a natureza utiliza a insociável sociabilidade dos homens (IV), o que resulta numa constituição de uma sociedade civil que administra universalmente o direito (V).
Esse é o problema que a espécie humana resolverá por ultimo (VI). Implica uma sociedade das nações a forjar um estado de paz (VII). Essa constituição política perfeita realiza assim a situação na qual a natureza realiza todas as suas disposições na humanidade; ela corresponde ao plano oculto da natureza (VIII). É desse modo que Kant justifica sua conclusão (IX).

Acerca da Introdução da Obra:
Kant inicia indicando o aspecto “Metafísico” das ações humanas, como também, dos acontecimentos naturais como sendo originados pelas “leis naturais universais”.
Em seguida trata do aspecto histórico, onde ressalta a importância de observações, em “linhas gerais”, das diversas manifestações humanas, que possibilita uma visão do movimento regular do todo. Sendo que, aquilo que é confuso e irregular nos sujeitos individuais, se mostra como “continuamente progressivo” no conjunto da Espécie, embora lento.
E Kant adverte sobre a impossibilidade de mensurar a influência da “livre Vontade dos homens”, que não estão submetidos às regras; mesmo que estatísticas demonstrem que tudo acontece segundo “leis naturais constantes”.
Em seguida é observado que homens, enquanto indivíduos, e até povos inteiros, não se dão conta de que perseguem fins particulares, se opondo uns aos outros; fim que é desconhecido, e mesmo que o conhecessem de nada importaria.
Os homens em geral, não agem instintivamente como os animais, e nem como moderados cidadãos determinados a planejar sua história. Nesse ponto, Kant manifesta um desprazer em observar a conduta da humanidade no cenário mundial, alegando que mesmo aquilo que parece grande Sabedoria na humanidade, não passa de tolices, “caprichos pueris” e “maldades infantis”.
Na posição de filosofo a obrigação é, segundo Kant, descobrir no curso absurdo das coisas humanas, uma intenção da natureza, para criaturas que agem sem plano próprio.
Daí, sua proposta de encontrar para espécie humana um fio condutor de uma história que se realiza segundo um plano determinado da natureza. Por fim, Kant conclui sua introdução citando Kepler e Newton justificados por expor suas leis com êxito.

Acerca das Proposições:
Proposição I
Conforme Kant, todas as disposições naturais estão destinadas a um fim. E isso ocorre em todos os animais por qualquer aspecto que sejam observados.
Admitir o contrário é uma contradição à doutrina teleológica da natureza, como também, impossibilitar qualquer existência de leis naturais, com efeito, haveria total indeterminação do “fio condutor da razão”.

Proposição II
No homem (única criatura racional) as disposições naturais que se remetem ao uso da razão devem desenvolver-se apenas na espécie e não no individuo.
A função da razão no homem, é ampliar regras e os propósitos de todas as suas forças, e segundo Kant, isso esta acima do instinto natural, não reconhecendo limites do intento.
Para que haja progresso racional são necessários exercícios e ensinamentos; com efeito, atinge-se novos graus de inteligência. Como tal resultado é atingido em longo espaço de tempo; e o homem não vive tanto tempo, se torna necessária uma série indefinida de gerações transmitindo as luzes da inteligência; assim, desenvolvendo racionalmente, haverá um momento de grau de inteligência totalmente adequado para quaisquer propósitos.
Tal momento, alega Kant, deve ser o objetivo dos esforços humanos, pois do contrário não haveria sentido das “disposições naturais”.

Proposição III
Conforme Kant, a natureza determina que o homem extraía tudo de si mesmo, seja a ordenação mecânica do animal, a felicidade ou a perfeição; pois ele é livre do instinto, e se desenvolve pela própria razão.
Não há extravagância na natureza quando busca seus fins; pois nela o homem é livre em sua vontade, e racional; ao dota-lo de tais predicados, a natureza, evidencia seus propósitos.
O homem não é guiado pelo instinto, ou por um conhecimento inato, porém, tira tudo de si próprio. Tudo a natureza deu ao homem, isto é , para que fosse livre na destreza ou rudeza, possibilitando com isso, a maior perfeição interior. Assim, o homem possui todos os meios de atingir o bem-estar mundano.
Kant alega que é estranho que as gerações anteriores cumpriram penosas tarefas em função das gerações posteriores. Entretanto, elevando mais os propósitos da natureza, como se a felicidade pertencesse apenas às últimas gerações.
Contudo, trata-se de uma espécie animal que é dotada de razão, mesmo sendo uma classe de “mortais”, a espécie é imortal, e deve atingir a máxima plenitude no seu desenvolvimento e disposições.

Proposição IV
A oposição das disposições na sociedade é o meio pelo qual a natureza realiza o desenvolvimento de tais disposições. Afinal, a oposição é a causa da ordem regulada por leis na sociedade.
Trata-se da “insociável sociabilidade” dos homens, explica Kant, que essa é a verdadeira oposição, isto é, a “tendência de entrar em uma sociedade que esta ligada em oposição geral e que ameaça constantemente se dissolver”.
O homem é sociável, pois se sente melhor em um Estado, pelo desenvolvimento de suas disposições naturais. Porém, é insociável, pois deseja se conduzir em proveito próprio (individual), gerando oposições por todos os lados, ele quer projeção e deseja dominar o outro.
Assim, constitui-se a estupidez na cultura, determinando o valor social do homem; como conseqüência desenvolve-se todo o “talento” humano, isto é, pensamentos, discernimento moral procurando criar na sociedade um todo pleno. Afinal, sem a “insociabilidade”, da qual surgem oposições, os talentos estariam ocultos, com efeito não haveria desenvolvimento.
Kant agradece a natureza, pois nela produz-se a vaidade que resulta na competitividade, ora, sem oposição, excelentes disposições naturais permaneceriam ocultas, sem desenvolvimento, “num sono eterno”.
Pela natureza a espécie ganha, pois ela é responsável pela discórdia, competitividade que anima o homem na busca do desenvolvimento. Segundo Kant, as disposições naturais revelam um Criador Sábio, e não um gênio maligno.

Proposição V
A Sociedade Civil deve alcançar a administração universal no direito, e esse é o maior problema para sociedade humana, o qual a natureza obriga a uma solução.
Em um contexto de oposições entre homens, onde a sociedade permite máxima liberdade, o que justifica a oposição; há necessidade de coexistência entre os membros. Torna-se necessário limitar a liberdade em função da liberdade de todos. É o fim exigido pela natureza, o qual possibilita maior desenvolvimento de todas as disposições humanas.

Conforme alega Kant:

"só assim uma sociedade na qual a liberdade sob leis exteriores encontra-se ligada no mais alto grau a um poder irresistível, ou seja, uma constituição civil perfeitamente justa deve ser a mais elevada tarefa da natureza para espécie humana, porque a natureza somente pode alcançar seus outros propósitos relativamente a nossa espécie por meio da solução e cumprimento daquela tarefa”.

Apenas pela união Civil, é que a humanidade alcança maior desenvolvimento com suas inclinações.

Kant faz uma comparação muito bela entre os homens e as arvores:

“Assim como as arvores num bosque, procurando roubar umas às outras o ar e o sol, impelem-se, a busca-los acima de si, e desse modo obtém um crescimento belo e aprumado, as que ao contrário, isoladas e em liberdade, lançam os galhos ao seu bel prazer, crescem mutiladas, sinuosas e encurvadas”

Pela autodisciplina da insociabilidade humana é que a espécie desenvolve-se adequadamente.

Proposição VI
A constituição do direito universal bem administrado pela Sociedade Civil, é o maior problema da espécie humana. Pois o homem é um animal que deseja ser Senhor, conseqüentemente abusa da liberdade que dispõe prejudicando os semelhantes.
Mesmo enquanto criatura racional que busca lei para todos, o homem é egoísta pela sua inclinação animal buscando exceção onde conseguir.
O homem também possui a necessidade de um Senhor que obrigue a obedecer a uma vontade universalmente válida, de modo que todos possam ser livres. Senhor este, que deve sair da própria espécie, e portanto, que também sofre inclinação animal, o que faz com que encontrar tal Senhor seja tarefa muito difícil.

Proposição VII
O problema da constituição Civil perfeita depende do problema de relações externas legais entre Estados.
A insociabilidade que obriga os homens a constituição Civil também é causa nas relações entre Estados, pois pela liberdade ilimitada de cada Estado deve se esperar os mesmos males que oprimiam os indivíduos obrigando-os à constituição Civil. Ora, o que o Estado é para o individuo, também é para outro Estado.
A natureza se serve sempre da incompatibilidade dos indivíduos e Estados para promover o desenvolvimento e aperfeiçoamento da humanidade.
A solução para evitar as tristes experiências provenientes dessas incompatibilidades, oposição entre homens e conseqüentemente entre Estados, esta na razão; pois segundo afirma Kant:

Sair do Estado sem leis selvagens para entrar numa federação de nações em que todo estado, mesmo o menor deles, pudesse esperar sua segurança e direito, não da própria força ou do próprio juízo legal, mas somente desta grande confederação de nações, de um poder unificado e da decisão segundo leis de uma vontade unificada”.

Tal idéia de Confederação soa fantástica para Kant, mesmo que seja digna de riso de homens como Rousseau; porém, é a saída inevitável das misérias e conflitos em que os homens e os Estados se colocam.
É no conflito incessante (guerras, etc;), com efeito, na desestruturação e estruturação do Estado é que se compõem Estado Civil autônomo e adequado.
Conforme Kant, os conflitos, oposições são imprescindíveis para que o Estado possa entrar em constituição civil, afinal, os males provenientes de tais conflitos possibilitam a elaboração de leis que equilibram os homens e os Estados, esse é o resultado da Espécie que é livre no seu modo de constituição.
Contudo, Kant reconhece a dificuldade da união entre Estados, e concorda com Rousseau na preferência dos Estados Selvagens, pois alega faltar muito para que sejamos considerados moralizados, e livres da aparência. Assim, enfatiza a formação interior do modo de pensar dos indivíduos dentro das Sociedades.

Proposição VIII
A história da Espécie humana é a realização do plano oculto da natureza em direção à constituição política. Sendo o fim no qual se realiza o desenvolvimento pleno da humanidade, e todas as suas disposições.
O problema, segundo Kant, é saber se a natureza revela algo de tal curso neste fim da natureza; assim, conclui que é revelado muito pouco, de modo que se estabelece uma analogia com os corpos celestes e a dificuldade de conceber todos os seus movimentos e relações.
Entretanto, não deve existir indiferença para com o fim da humanidade, pois por meio de nossas disposições racionais podemos acelerar a chegada de momentos mais felizes para os nossos descendentes.

Proposição IX
Kant afirma a possibilidade de elaboração filosófica da “história universal do mundo segundo um plano da natureza que vise a perfeita união civil na espécie humana”, isto é, de acordo com os propósitos da natureza.
E reconhece com estranheza tal propósito, ou seja, a de como deveria ser o curso do mundo sendo adequado a certos fins racionais. E conclui que de qualquer modo é uma idéia que serve de fio condutor da constituição de um sistema, ao invés de concebermos um “agregado sem plano das ações humanas”.
Se tomarmos como referencia a história dos antigos, dentro do aspecto político e do conhecimento dos povos “episodicamente”, verificamos como isso se constitui, e descobriremos um “curso regular” de aperfeiçoamento gradativo na humanidade.
Considerando nesse curso a constituição civil, suas leis e a relação entre Estados, percebemos que mesmo temporariamente houve elevação e glorificação dos povos; povos que por meio de vícios que lhe são intrínsecos, acabam destruindo todo processo. Porém, alega Kant, sempre permaneceu o principio “iluminista”, que em cada revolução mantém-se o aperfeiçoamento.
Desse modo, constitui-se o “fio condutor”, que serve de esclarecimentos das coisas humanas, mas também, tem o propósito de corroborar nas futuras mudanças políticas e estatais.
Então, Kant tese uma crítica à concepção teológica, alegando que não é adequado enaltecer a “Sabedoria da Criação e um reino privado da razão”; isto é, reconhecer um fim supremo que nos conduza à espera de “um outro mundo”, sem poder fazer o uso apropriado das nossas razões.
E conclui enfatizando a concepção da história do mundo baseada em um fio condutor “a priori”, que examina todos os efeitos históricos anteriores positivos e prejudiciais de um ponto de vista cosmopolita.


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Bibliografia Utilizada

KANT, Imanuel.Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita.São Paulo: Ed. Martins Fontes. Tradução de: Rodrigo Naves e Ricardo R. Terra.

CAYGILL, Howard.Dicionário Kant.Tradução Álvaro Cabral.

ROVIGHI, Sofia Vanni.História da Filosofia Moderna (da revolução cientifica a Hegel.São Paulo: Ed. Loyola. Tradução de: Marcos Bagno e Silvana Cobucci Leite.

KANT, Imanuel.Crítica da Razão Pura. Portugal: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian. Tradução de: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão.
Obra de: Immanuel Kant – (1724 –1804)
Estudada por: Adriano de Araujo

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