sexta-feira, janeiro 19, 2007

ESTUDO DE ALGUNS TRECHOS DA OBRA: "UMA TEORIA DA JUSTIÇA" DE JOHN RAWLS

Exame do: princípio aristotélico, da definição de bem aplicada às pessoas e a auto-estima, das excelências e da vergonha.
Desenvolvimento:

1. O princípio aristotélico

Rawls concebe um formalismo na definição de bem, considerando o bem como um “plano racional da vida”, ou seja, como algo deliberado (com racionalidade); admite a complexidade de tal racionalidade deliberativa e princípios de escolha racional no aspecto conceitual.
Também alega que há necessidade de “observação de fatos genéricos” antes da dedução de planos racionais; pois, segundo sua concepção, não podemos saber quais objetivos tais planos incitam.
Com efeito, Rawls reconhece a existência de “características genéricas dos desejos e necessidades humanas”, pois aponta o desenvolvimento humano em suas fases (considerando as circunstâncias fisiológicas); depois verifica que os “planos” devem adequar-se às faculdades1 humanas, isto é, ao próprio desenvolvimento, a educação e treinamento conforme o propósito que se queira atingir, e também, à “interdependência social” (a qual deve ser adequadamente apreciada).
Considera que a “estrutura básica” é o meio pelo que certos planos têm mais êxito que outros; de tal modo que, em certos casos há concordância com a justiça, isto é, a partir da “contribuição para com o bem comum”.
E mesmo que exista arbitrariedade, Rawls enfatiza a prioridade do justo, que restringe as “contingências” que limitariam tais planos.
Assim, procura esclarecer e comentar os “bens humanos” e as “restrições da justiça”; ora, considera que o primeiro consiste “nas atividades e finalidades que têm as características, não importando quais sejam, que lhes confere um lugar importante, até mesmo central, na vida”, tais “atividades e finalidades” devem ser convenientes ao “princípio de justiça”, de modo que a não conveniência legitima a existência das restrições.
Acerca do “princípio aristotélico”, Rawls afirma que: “em circunstâncias iguais, os seres humanos sentem prazer ao pôr em prática as suas capacidades (sejam elas habilidades inatas ou treinadas), e esse prazer cresce na medida em que cresce a capacidade posta em prática, ou a sua complexidade”.
Segundo Rawls, na medida em que o ser humano torna-se competente na realização de uma atividade, também possui maior prazer em exerce-la, pois é desse modo que exprime a “idéia intuitiva” presente em tal princípio; assim, exemplifica com o jogo de xadrez e dama, pois o primeiro é mais complexo que o segundo, entretanto, aquele que joga o primeiro encontra maior prazer do que aquele que joga o segundo; e o mesmo ocorre na álgebra com relação à aritmética.
Rawls reconhece que o princípio aristotélico é motivacional; pois “explica muitos de nossos maiores desejos, e também, porque preferimos fazer certas coisas e não outras”. Concluí que se trata de uma “lei psicológica”.
Afinal, treinando a capacidade para as coisas complexas, as pessoas tendem a ser mais hábeis, portanto, melhores nas suas realizações. E até mesmo o contato com pessoas habilidosas nos demove a ser como elas.
Embora encontremos dificuldades oriundas na relação de satisfação em executar uma atividade e as tensões cada vez maiores no exercício de tais atividades, que se tornam mais complexas mediante nosso avanço; Rawls indica um equilíbrio, onde cessa o esforço para aumentar o desenvolvimento da capacidade do sujeito.
Como os prazeres em exercer atividades crescem lentamente, e os esforços são cada vez maiores na aprendizagem, verifica-se uma desistência na medida em que tais atividades se tornam muito complexas; com efeito, haverá atividades que nunca serão desejadas.
O princípio aristotélico é racional, e é determinado por ações justas; e o desenvolvimento das pessoas são limitados pelas circunstancias, de modo que, se realizem atividades na medida do possível.
Reconhece-se que o princípio aristotélico promove o interesse comum, e Rawls alerta para interpretações equivocadas, demonstrando que fatos sociais, como também, psicológicos corroboram no desenvolvimento.
Cabe às instituições sociais utilizarem adequadamente o princípio, pois sempre haverá o desenvolvimento em algum sentido; pois “conforme as práticas sociais e as atividades cooperativas vão sendo construídas pela imaginação de vários indivíduos, elas exigem de modo crescente um conjunto complexo de atividades, e novos modos de desempenha-las”, “... o processo é movido pelo prazer de praticar atividades naturais e livres”.
Em tal princípio não há preferências por atividades; entretanto, que “em circunstancias iguais, preferimos atividades que dependem de um maior repertório de capacidades desenvolvidas e mais complexas”.
Os talentos, inclinações e circunstancias sociais são decisivos na escolha da pessoa pelas diversas cadeias de atividades e dos seus desenvolvimentos; mesmo assim, o princípio “afirma, apenas, uma propensão a ascender”.
Convém notar que a ascensão é determinada pelos recursos que dispomos (energia, tempo etc;), o que impede que permaneçamos em pleno desenvolvimento das cadeias de atividades que aparecem.
Embora possa haver objeção acerca da veracidade do princípio aristotélico, os comportamentos (dos animais e crianças) corroboram sua presença, como também, o aspecto evolutivo dos sujeitos.
A verdade é que na teoria do Bem o princípio aristotélico caracteriza um fato psicológico, e também em conjunto com fatos genéricos e concepções racionais determina e explica nossos “juízos de valor” 2.
Rawls considera um vinculo muito forte entre o “bem primário da auto-estima” e tal princípio; daí sua importância na psicologia moral.

2. A definição de Bem aplicada às pessoas

Após conceber o Bem de “uma pessoa como a execução bem-sucedida de um plano racional de vida”; Rawls concebe o conceito de Bem em outros temas da filosofia moral.
Entretanto, há uma preocupação anterior em estabelecer algumas considerações acerca dos bens primários, considerando hipoteticamente uma definição restrita de bem.
Para a execução de um plano racional de vida tais bens são necessários; principalmente supondo a posição original em que as pessoas se encontram, de modo que, haja “liberdades e oportunidades” para alcançar seus propósitos.
Rawls considera que na explicação de uma lista de bens primários deve-se reconhece-los pela “racionalidade, juntamente com os fatos genéricos sobre as necessidades e habilidades humanas, as suas fases características e exigências de desenvolvimento, bem como o princípio aristotélico e as necessidades de interdependência social”.
Rawls enfatiza a noção de bem como racionalidade, pois alega que mesmo em distintas filosofias tal noção é aceita e abrangente; e de uma teoria restrita passa a conceber uma teoria plena em função da posição original.
Assim, ao explorar o “valor moral”, Rawls demonstra em primeiro lugar o reconhecimento recíproco entre pessoas de “propriedades racionais”, e em segundo lugar seus “desempenhos nos diversos papeis” com o devido grau de importância. Verifica que há admissão recíproca de restrições por via racional em uma sociedade bem ordenada.
Admite como necessário reconhecer atributos como: inteligência, imaginação, força, resistência etc; para que se possa conceber uma conduta justa, pois do contrário ocorreriam danos sociais.
Examina a distinção dos dotes naturais e virtudes morais, concebendo os primeiros como oriundos da educação e treinamentos, e os últimos como “atitudes habituais que nos levam a agir segundo princípios justos”.
Rawls caracteriza a “boa pessoa” como sendo aquela que dispõe de racionalidade, e que as outras queiram encontrar na posição original para uma sociedade bem ordenada. Convém notar que na sua filosofia não há elementos aprioristicos.
Ele reconhece uma boa ação como um bom ato que se comete ao outro, desde que o bom ato seja aquele em que exista liberdade de ação, isto é, desde que não haja determinação ou que contemple o dever natural reconhecido como “principio de ajuda mutua”.
Ainda são apontados os homens injustos, maus e perversos; sendo o primeiro aquele que busca atingir “o domínio em nome de objetivos como a riqueza e a segurança”; o segundo como aquele que “deseja o poder arbitrário porque aprecia o senso de dominação que o seu exercício lhe concede”; e o terceiro como aquele que “aspira o domínio injusto precisamente porque este viola o que seria objeto de acordo de pessoas independentes em uma posição original de igualdade”, “... ele é movido por amor pela injustiça”.
Com efeito, Rawls concebe uma teoria plena, e considera possíveis as muitas variações de valor serem explicadas.

3. Auto-estima, excelências e vergonha.

Rawls reforça a concepção de auto-estima como bem primário e alega que é o mais importante, pois considera tal certeza a partir do bem enquanto racionalidade.
A auto-estima possui dois aspectos, o primeiro de que a pessoa é convicta na realização de seu “plano de vida”; o segundo de que a pessoa possui confiança em suas habilidades, como também, de realizar suas intenções.
A evidencia do referido bem primário é a de que não podemos insistir em nossos planos quando nos sentimos impotentes, e “duvidamos de nós mesmos”.
E na posição original tal bem primário é de capital importância, e a justiça como equidade corrobora na sua realização.
O senso de nosso próprio valor é condição adquirida a partir da concepção de bem como racionalidade, ou seja, concepção que “caracteriza o primeiro aspecto da auto-estima”.
Conforme Rawls o princípio aristotélico é reforçado no exercício de atividades; de maneira que, na ausência de tal princípio, as atividades se tornam desinteressantes; com efeito, a pessoa deixa de ser confiante no exercício de suas habilidades.
Rawls também salienta a relação de reciprocidade no reconhecimento de habilidades entre pessoas que são confiantes; considera que se apreciam mutuamente, o que indubitavelmente corrobora um “único sistema de atividades que todos podem apreciar e desfrutar”. A “democracia no julgamento dos objetos uns do outros é o fundamento da auto-estima em uma sociedade bem organizada”.
Em seguida Rawls passa ao exame da auto-estima, as excelências e a vergonha; concebe a vergonha como sendo “o sentimento que uma pessoa tem quando seu amor próprio é atacado, ou quando sofre um golpe em sua auto-estima”; também faz uma breve distinção com o “pesar” considerando que ambos (vergonha e pesar) dizem respeito a nós mesmos, embora, a vergonha implique em relação intima com nossa pessoa e os “outros de quem dependemos para confirmar nosso valor”.
No caso das excelências são bens (atributos diversos) que “nos possibilitam realizar um plano mais satisfatório da vida, aumentando nosso senso de capacidade”, “... são bens do ponto de vista de todos” que aumentam nossa auto-estima.São as excelências da pessoa que possibilitam a realização nas relações sociais, e na ausência de muitas excelências há o envergonhamento; afinal, não havendo reconhecimento de atributos pode ocorrer o enfraquecimento da auto-estima que é um bem fundamental para o princípio aristotélico.
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Estudado por: Adriano de Araujo
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NOTAS:

1 O termo “Faculdade” é empregado como capacidade natural de fazer algo.
2 Nota-se que quanto mais aplicável empiricamente for o princípio aristotélico, maior será a chance de congruência dos princípios de justiça e as concepções de Bem. Com efeito, maior será a chance de aproximar-se do equilíbrio reflexivo.

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